PeletronTech #2: 22 de agosto de 2025

Ouvir ao PeletronTech. Ouvir no Substack. Olá! Esta é a newsletter do PeletronTech, o seu boletim de publicação científica e tecnologia. A edição de hoje traz quatro matérias publicadas no blog...

Tempo de leitura: 2 - 3 minutos

Imagine um tribunal onde o juiz e o júri permanecem anônimos para as partes envolvidas, e a decisão é proferida sem que você compreenda plenamente o raciocínio por trás dela. Essa analogia, embora imperfeita, capta um problema central na comunicação científica tradicional: a avaliação por pares. Historicamente, esse pilar da ciência, essencial para validar a pesquisa publicada, operou como uma "caixa preta" para os autores. Críticas têm surgido sobre vieses, falta de rigor e até mesmo fraudes, como escândalos de "círculos de revisão por pares" que levaram à retratação de dezenas de artigos, abalando a confiança na integridade do processo¹.

Mas e se pudéssemos abrir essa caixa preta? A crescente adoção da Avaliação por Pares Aberta (Open Peer Review - OPR) surge como uma poderosa intervenção, parte do movimento mais amplo da ciência aberta, para trazer transparência, responsabilidade e confiança de volta ao cerne da validação do conhecimento científico¹. Ao tornar aspectos do processo de revisão publicamente disponíveis, a Avaliação por Pares Aberta não apenas promete enriquecer o registro científico, mas também fortalecer a base sobre a qual todo o progresso da pesquisa é construído.

O pilar da ciência e a necessidade de transparência

A avaliação por pares é, e sempre foi, um mecanismo fundamental para garantir que a pesquisa publicada seja minuciosamente examinada e cientificamente válida². Tradicionalmente, ela tem sido praticada de forma "cega", onde as identidades das partes envolvidas — autores, revisores e até editores — permanecem anônimas para reduzir vieses. Embora esta abordagem, como a revisão "duplo-cega" (autores e revisores não se conhecem) ou "simples-cega" (revisores conhecem autores, mas não o contrário), busque objetividade, ela também gera críticas significativas¹. Autores podem se sentir vulneráveis a comentários arbitrários de revisores não identificados, e a anonimidade, por vezes, pode levar a revisões menos rigorosas ou excessivamente críticas.

É nesse cenário que o movimento da ciência aberta ganha força, buscando aumentar a transparência na produção do conhecimento científico e tornar seus produtos mais amplamente acessíveis. A Avaliação por Pares Aberta é, então, um dos últimos componentes a serem amplamente adotados, desvendando aspectos do processo de revisão que antes eram ocultos ou anônimos¹. Trata-se de um debate que começou já nos anos 80, com defensores argumentando que a abertura pode aumentar a responsabilidade e a prestação de contas de todas as partes².

O Que é Avaliação por Pares Aberta (OPR)?

Não existe uma definição única para a OPR, mas é um termo abrangente que descreve qualquer modelo de revisão por pares em que aspectos do processo são tornados públicos, seja antes ou depois da publicação². Isso pode envolver uma variedade de práticas transparentes, isoladamente ou em combinação.

No centro de tudo, dois elementos são considerados essenciais para definir o grau de transparência de uma OPR:

  • Identidades Abertas (Open Identities): Significa que os nomes dos revisores, e possivelmente suas afiliações e credenciais, são revelados2,3.
  • Relatórios Abertos (Open Reports): Refere-se à publicação do conteúdo da revisão por pares, incluindo cartas de decisão de cada revisão, feedback editorial completo, revisões por pares e as respostas dos autores aos revisores2,3.

Outras práticas que podem integrar a OPR incluem comentários abertos da comunidade, discussões abertas entre autores, editores e revisores, revisão aberta antes da publicação através de preprints, e comentários pós-publicação. A flexibilidade do termo é tão grande que, em 2017, já existiam pelo menos 22 configurações diferentes de revisão por pares em uso na publicação científica².

Por que a OPR é importante? Os benefícios da transparência

A adoção da OPR, seja como um padrão do setor ou uma novidade, é impulsionada por uma série de benefícios² que a transparência pode trazer.

  • Enriquecimento do Registro Científico: A publicação do histórico da revisão contextualiza a pesquisa, oferecendo aos leitores o benefício de opiniões de especialistas adicionais. Ver as perguntas levantadas pelos revisores e como os autores as abordaram fornece uma compreensão mais profunda dos limites do estudo e reforça sua validade e rigor.
  • Reconhecimento e Valorização dos Revisores: Tornar as revisões públicas reconhece o valor inestimável do trabalho dos revisores na comunicação científica, tornando-o parte permanente do registro científico. Dar aos revisores a opção de assinar seus comentários permite que eles recebam crédito acadêmico por suas contribuições.
  • Ferramentas Educacionais: A disponibilidade pública de revisões por pares cria um valioso banco de dados de exemplos, servindo como uma ferramenta educacional para estudantes e pesquisadores juniores que estão começando a participar do processo de revisão.
  • Melhoria da Qualidade do Feedback: Pesquisas sugerem que revisões com o potencial de serem publicadas tendem a ser tão boas quanto, ou talvez ligeiramente melhores do que, as revisões privadas. Estudos apontaram melhorias em áreas como feedback construtivo, comentários sobre métodos, extensão da revisão e evidências de suporte aos comentários.

Desafios e considerações na OPR

Apesar dos claros benefícios, a transição para a OPR não é isenta de preocupações2,3.

  • Pressão Indevida sobre Revisores: Saber que os comentários podem ser publicados pode pressionar os revisores a gastar tempo extra em aspectos menos científicos, como ortografia ou gramática, ou pode levá-los a "suavizar" suas críticas. Isso pode resultar em uma experiência mais estressante, menos tempo para revisão substantiva e mais convites recusados.
  • Risco de Retaliação e Carreira: A revelação das identidades dos revisores é a razão mais comum para objeções à OPR. Muitos na comunidade de pesquisa temem ameaças de consequências negativas para a carreira de revisores críticos, especialmente para pesquisadores juniores dependentes de cientistas seniores. O assédio, o bullying e a exclusão ("blackballing") são realidades na ciência, e nem mesmo a revisão anônima oferece proteção total, pois autores podem, em muitos casos, adivinhar a identidade de seus revisores.
  • Dificuldade em Encontrar Revisores: Revistas podem ter dificuldades em encontrar revisores dispostos a expor suas identidades, especialmente ao avaliar trabalhos de autores poderosos, influentes, ou considerados litigiosos.
  • Nepotismo: Há preocupações de que a OPR possa aumentar as oportunidades de favorecimento, com revisores dando mais peso à identidade do autor em vez do mérito científico do trabalho.

No entanto, é crucial lembrar que as decisões finais de publicação são tomadas pelos editores, que são responsáveis pela qualidade do aconselhamento recebido³. Editoras, agências de fomento e instituições podem mitigar os riscos classificando retaliação contra revisores como má conduta e tornando o processo mais transparente para escrutínio público, reduzindo oportunidades para comportamentos negativos².

Modelos e implementações da OPR

A adoção da OPR tem crescido constantemente desde o início dos anos 2000, com um crescimento mais rápido a partir de 2017¹. Disciplinas médicas, de saúde e ciências naturais são as mais prevalentes na adoção. Diversos periódicos e editoras já implementaram diferentes formas de OPR:

  • PLOS: Uma organização sem fins lucrativos focada em impulsionar a ciência aberta, a PLOS oferece formas de OPR em seus periódicos (como PLOS Biology, PLOS Medicine, PLOS ONE). Autores PLOS podem optar por publicar seu Histórico de Revisão por Pares uma vez que o artigo é aceito.
  • The BMJ e periódicos da família BMJ: Praticam a revisão por pares assinada e publicada há mais de 20 anos, o que pode explicar sua prevalência em campos médicos e de saúde.
  • Nature Communications: Em 2016, iniciou um piloto de OPR onde autores podiam escolher entre revisão cega ou aberta, com relatórios de revisão publicados após aceitação. Em 2018, 70% dos artigos publicados tinham relatórios abertos, e 98% dos autores disseram que fariam isso novamente.
  • F1000Research: Lançado em 2012, este periódico é um dos mais transparentes. Artigos são publicados rapidamente (6-14 dias), seguidos por um processo de revisão por pares totalmente transparente, onde a identidade do revisor e o relatório são publicados junto com o artigo em tempo real.
  • PeerJ: Lançou um periódico com OPR opcional em 2013. A maioria dos autores (80%) escolhe relatórios abertos, e 40% dos revisores assinam seus relatórios.
  • MDPI: Adotou a OPR opcional pós-publicação em todos os seus periódicos.
  • Wiley: Estabeleceu parceria com Publons.com para suas iniciativas de OPR, onde revisores podem depositar seus relatórios, e o periódico Clinical Genetics foi pioneiro nesta iniciativa.

As implementações variam em termos de quem decide sobre as identidades e relatórios abertos (revisor, autor, editor/periódico), quando a decisão é tomada (pré-, pós- ou concorrente), o que está contido nos relatórios e onde eles podem ser acessados. Por exemplo, 98.5% dos periódicos OPR requerem que os revisores se identifiquem (43.4%) ou permitem que escolham (55.1%)¹. Da mesma forma, 86.9% dos periódicos exigem relatórios abertos (44.4%) ou permitem que autores/editores escolham (42.3%)¹. Somente 30.6% dos periódicos requerem identidades e relatórios abertos¹.

No Brasil, 41 periódicos4 de diferentes áreas, como Direito, Letras, Linguística, Religião, entre outras já utilizam a OPR em seus processos de avaliação.

Como participar de uma OPR

Independentemente do modelo de revisão que um periódico adote, as etapas práticas para completar uma revisão por pares permanecem as mesmas²:

  1. Respondendo aos Convites: Aceite um convite para revisar apenas se você tiver tempo e expertise necessários e puder fornecer uma revisão objetiva. Os periódicos devem informar qual modelo de revisão por pares eles praticam antes que você concorde em revisar, geralmente na própria carta de convite ou em seu site.
  2. Lendo o Manuscrito: Antes de ler o manuscrito, certifique-se de compreender os critérios do periódico. Leia o manuscrito uma vez para uma compreensão geral e uma segunda vez fazendo anotações. Preste atenção especial à questão da pesquisa, métodos e conclusões, e revise as figuras e tabelas em conjunto com os resultados.
  3. Escrevendo a Revisão: Comece com um resumo da pesquisa e sua impressão geral, antes de discutir áreas específicas para melhoria e quaisquer outros pontos. Não é necessário fazer o trabalho dos autores para eles, sugerindo edições de linha ou experimentos específicos; basta informar aos editores onde você teve perguntas ou preocupações.

Uma decisão importante na OPR é se você deseja assinar sua revisão. É aconselhável que você reflita sobre a pesquisa existente, converse com colegas respeitados e considere qual é sua filosofia pessoal sobre o tema, lembrando que podem haver exceções ocasionais.

O futuro transparente da ciência

A Avaliação por Pares Aberta (OPR) é uma inovação em crescimento, fundamental para a promoção da transparência na ciência aberta. Embora ainda existam múltiplas abordagens e não haja um consenso único sobre as melhores práticas, a tendência é clara: estamos caminhando para um processo de validação científica mais transparente, responsável e, em última instância, mais robusto.


Referências

  1. Wolfram, Dietmar, et al. “Open Peer Review: Promoting Transparency in Open Science”. Scientometrics, vol. 125, no 2, novembro de 2020, p. 1033–51. Springer Link, https://doi.org/10.1007/s11192-020-03488-4
  2. “Open Peer Review”. PLOS, 6 de fevereiro de 2020, https://plos.org/resource/open-peer-review/.
  3. “Pros and Cons of Open Peer Review”. Nature Neuroscience, vol. 2, no 3, março de 1999, p. 197–98. www.nature.com, https://doi.org/10.1038/6295.
  4. Miguilim: Página de Busca. https://miguilim.ibict.br/simple-search?query=&sort_by=dc.date.accessioned_dt&order=desc&rpp=10&etal=0&filtername=peerreview&filterquery=Avalia%C3%A7%C3%A3o+aberta&filtertype=equals. Acesso em 22 de agosto de 2025.

Texto produzido com auxílio de inteligência artificial

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