Com a consolidação e o fortalecimento da Ciência Aberta entre periódicos científicos, elaborar uma política de dados não é uma questão burocrática: é infraestrutura editorial. Sem regras claras sobre o que deve ser compartilhado, onde depositar, como citar e quando disponibilizar, cada submissão vira uma saga diferente — e isso custa tempo, confiança e qualidade.
Imagine o seguinte cenário: sua revista recebe um manuscrito promissor. Os resultados são sólidos, as figuras estão caprichadas — mas onde estão os dados utilizados na pesquisa para reproduzí-la? Sem diretrizes claras, cada caso vira exceção, o tempo de avaliação aumenta e a confiança do leitor diminui. Políticas de dados existem exatamente para evitar esse cenário: alinham expectativas, padronizam procedimentos e elevam a qualidade editorial.
Neste post apresento um guia para que editores de periódicos consigam sair do zero e elaborar uma política de dados. O objetivo é simples: tornar os dados tão encontráveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis quanto o próprio artigo, reduzindo retrabalho e elevando o padrão da revista.
Navegue pelo texto
- O que são os dados de pesquisa e por que periódicos científicos devem ter uma política específica?
- Por onde começar?
- 14 componentes essenciais para elaborar sua política de dados
- Da teoria à prática: dicas de implementação
- Exemplos de repositórios de dados por áreas de conhecimento
- Integração com o OJS
- Conclusão
O que são os dados de pesquisa e por que periódicos científicos devem ter uma política específica?
A pergunta parece um tanto quanto óbvia, mas a ausência de política de dados em muitos periódicos nacionais fazem a resposta parecer relevante.
Dados de pesquisa são todos os materiais que sustentam as conclusões de um estudo — desde tabelas brutas e planilhas processadas até imagens, códigos, protocolos, transcrições e metadados — necessários para verificar, reproduzir ou reutilizar os resultados.
Ter uma política de dados não é importante apenas para atender um requisito da Ciência Aberta, mas porque ela estabelece regras claras e previsíveis sobre o que compartilhar, onde depositar, como licenciar e como citar (idealmente com DOI), alinhando o fluxo editorial aos princípios FAIR (Findable [Acháveis], Accessible [Acessíveis], Interoperable [Interoperáveis] e Reusable [Reutilizáveis]).
A disponibilidade de dados de pesquisa reduz a ambiguidade para autores e pareceristas, melhora a rastreabilidade e a reprodutibilidade e aumenta a confiança do leitor. A política também mitiga riscos éticos e legais ao definir exceções e caminhos para dados sensíveis e orienta a escolha de repositórios adequados. Em última instância, transforma a gestão de dados de um “favor do autor” em um requisito editorial verificável, elevando a qualidade e o impacto da revista.
A disponibilidade de dados de pesquisa contribui para maior impacto e citabilidade.
Por onde começar?
Primeiramente, defina o nível da sua política de dados: mais básico, intermediário ou avançado. No nível básico, você encoraja boas práticas e estabelece componentes essenciais. No intermediário, adiciona requisitos verificáveis (ex.: depósito de dados e citação com DOI). No avançado, a conformidade com a política se torna condição de publicação e a checagem faz parte do fluxo editorial. Escolher o nível certo evita promessas que a equipe e os autores não conseguem cumprir.
Nível Básico | Nível Intermediário | Nível Avançado |
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14 componentes essenciais para elaborar sua política de dados
1) Escopo do que são “dados de investigação”
Especifique que a política se aplica a todo material necessário para verificar os resultados: dados primários e secundários, brutos e processados, inclusive código, imagens, áudio e documentos. Reduza a ambiguidade e cubra diferentes disciplinas.
2) Exceções justificadas
Deixe claro que dados pessoais, sensíveis ou que exponham espécies ameaçadas não precisam ser públicos. Ofereça caminhos: anonimização, repositórios de acesso controlado e procedimentos de solicitação de acesso descritos no manuscrito. Em níveis mais exigentes, editores e pareceristas podem acessar dados sob controle.
3) Embargo (se houver)
Reconheça o direito de primeira publicação dos autores, mas fixe prazos e condições. No avançado, embargos não são permitidos; nos demais, podem depender de aprovação editorial. Evite embargos indefinidos.
4) Materiais suplementares
Desencoraje usar “informação suplementar” para guardar dados; prefira repositórios. Em níveis mais altos, proíba por completo e exija depósito em repositório aprovado como condição de publicação.
5) Repositórios de dados
Dê preferência a repositórios disciplinares; quando não houver, aceite repositórios genéricos. Liste opções recomendadas e explicite quando o depósito é obrigatório (antes da revisão por pares, nos níveis mais altos).
6) Citação formal de dados (com DOI)
Exija que conjuntos de dados apareçam na lista de referências com identificador persistente (ex.: DOI) e padrão mínimo (ex.: recomendações DataCite). No intermédio/avançado, a verificação vira etapa do checklist editorial.
7) Licenças de dados
Incentive licenças abertas que permitam reutilização, não imponha transferência de direitos autorais sobre dados e respeite políticas dos repositórios externos.
8) Suporte ao autor
Indique um contato claro (e-mail/setor) para dúvidas sobre cumprimento da política, escolha de repositórios e padrões de metadados. A política só funciona se houver suporte.
9) Declaração de disponibilidade de dados (DAD)
Exija uma DAD padronizada no manuscrito, consistente com a política da revista, indicando onde os dados estão, sob que condições e com quais identificadores. Torne-a condição para aceite.
10) Formatos e padrões
Encoraje (ou exija) formatos abertos e aderência a normas da comunidade, para garantir legibilidade a longo prazo e interoperabilidade. Explique que a conformidade precisa ser compatível com a política da revista.
11) Partilha obrigatória para tipos específicos de dados
Liste domínios em que o depósito é sempre obrigatório (ex.: dados genômicos, cristalográficos, ensaios clínicos), preferencialmente em repositórios disciplinares aprovados.
12) Partilha obrigatória para todos os dados que sustentam os resultados
Estabeleça que todos os dados necessários à verificação dos resultados devem ser públicos em repositório, respeitadas as exceções da seção 2.
13) Revisão por pares dos dados
No básico, incentive revisores a checar a DAD; no intermédio e avançado, torne obrigatória a verificação da conformidade e, quando aplicável, o acesso aos dados pelos pareceristas.
14) Plano de Gestão de Dados (PGD)
Incentive (ou exija) PGDs e a sua disponibilização a editores, revisores e leitores interessados. Isso antecipa qualidade e evita retrabalho na submissão.
Da teoria à prática: dicas de implementação
Uma boa política nasce aplicável. No básico, foque em: DAD obrigatória, indicação de repositórios recomendados, estímulo a DOI para dados, aceitando embargos curtos e evitando anexos suplementares. No intermédio, adicione: depósito obrigatório para tipos específicos de dados, verificação editorial da citação de dados e conformidade a formatos/padrões. No avançado, peça depósito de todos os dados que suportam o artigo antes da revisão por pares, proíba anexos de dados, elimine embargos e inclua checagem de dados no parecer.
Redação: clareza, consistência e ausência de contradições
Use linguagem simples, precisa e alinhada à sua comunidade. Evite dizer “exigimos X” em uma seção e “recomendamos X” em outra. Políticas confusas geram descumprimento involuntário e decisões controversas. Centralize requisitos, padronize modelos de DAD, forneça exemplos e vincule-os às Instruções aos Autores.
Infraestrutura e alianças estratégicas
Políticas robustas dependem de infraestrutura: cadastre repositórios aprovados, integre checklists ao sistema de submissão, treine avaliadores para verificar DAD e citações de dados e estabeleça parcerias com bibliotecas e repositórios para orientação de autores. Assim, a política deixa de ser “texto” e torna-se parte viva do seu fluxo editorial.
Modelo de cláusulas (adapte à sua realidade)
- Escopo: “Esta política aplica-se a todos os dados necessários para verificar os resultados, incluindo dados primários/segundários, código e materiais multimídia.”
- Depósito: “Os autores devem depositar os dados em repositórios disciplinares ou, na ausência, em repositórios genéricos aprovados, antes da revisão por pares.”
- DAD: “O manuscrito deve incluir uma Declaração de Disponibilidade de Dados com links/DOIs, condições de acesso e, se necessário, justificativa para exceções.”
- Citação: “Conjuntos de dados devem constar nas referências com identificador persistente (DOI) seguindo o estilo da revista.”
- Licença: “Recomenda-se licença aberta que permita reutilização; a revista não reivindica direitos autorais sobre os dados.”
- Exceções: “Dados pessoais/sensíveis: anonimização, acesso controlado ou metadados públicos com procedimento de solicitação.”
- Embargo: “Embargos são limitados e sujeitos a aprovação editorial.”
- Revisão de dados: “Pareceristas verificarão a DAD e, quando pertinente, acessarão os dados sob controle.”
Exemplos de repositórios de dados por áreas de conhecimento
Nome do Repositório | Descrição | URL |
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Saúde pública e epidemiologia |
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OpenDATASUS (Ministério da Saúde) |
Microdados e APIs de SRAG, PNI (vacinação), SIASI e outros sistemas do SUS. | https://opendatasus.saude.gov.br/ |
Ciências da vida / Bioinformática |
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NCBI GEO / SRA | Dados de expressão gênica e sequenciamento (RNA-seq, metagenômica etc.). | https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/ |
Protein Data Bank (PDB) | Estruturas de proteínas e complexos macromoleculares. | https://registry.opendata.aws/ncbi-sra/ |
Biodiversidade, ecologia e conservação |
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GBIF - Global Biodiversity Information Facility | Rede internacional e infraestrutura de dados abertos sobre todos os tipos de vida na Terra. | https://www.gbif.org/ |
GBIF Brasil |
Agregador global; página do país com dados publicados via SiBBr e parceiros. | https://www.gbif.org/country/BR |
speciesLink (CRIA) |
Rede brasileira com milhões de registros de flora, fauna e microbiota; ferramentas de busca e status dos dados. | https://specieslink.net/ |
Clima, tempo e recursos hídricos |
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ANA – HidroWeb / SNIRH |
Chuvas, níveis, vazões, qualidade da água; telemetria quase em tempo real. | https://www.snirh.gov.br/hidroweb/apresentacao |
INPE – TerraBrasilis (PRODES/DETER) |
Desmatamento, degradação e focos de fogo com visualização e download. | https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/ |
Geociências, geologia e cartografia |
||
GeoSGB (Serviço Geológico do Brasil/CPRM) |
Maior acervo nacional de mapas e bases temáticas geológicas, WMS e downloads. |
https://geosgb.sgb.gov.br/home.html |
Economia, finanças e demografia |
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IBGE – SIDRA |
Séries de pesquisas estruturais e conjunturais (PNADC, IPCA, PIB, etc.). |
https://www.ibge.gov.br/acesso-informacao/dados-abertos.html |
IpeaData |
Séries macroeconômicas, regionais e setoriais com longa cobertura histórica. |
https://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx |
BCB – SGS |
Sistema de séries do Banco Central (Selic, crédito, câmbio) com API oficial. |
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries |
RAIS / CAGED (MTE) |
Microdados anonimizados do mercado de trabalho formal (empregos, admissões, desligamentos). |
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/estatisticas-trabalho/microdados-rais-e-caged |
Educação |
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INEP – Microdados |
ENEM, Censo Escolar, Enade e outros, com documentação e painéis. |
https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/microdados |
MEC – Portal de Dados Abertos |
Conjuntos do ministério (Sisu e correlatos). |
https://dadosabertos.mec.gov.br/ |
CAPES – Dados Abertos |
Acessos ao Portal de Periódicos e outras bases institucionais. |
https://dadosabertos.capes.gov.br/ |
Agrárias e agropecuária |
||
Dados Abertos – Embrapa |
Conjuntos e portais de informação agropecuária. |
https://cnes.datasus.gov.br/pages/downloads/arquivosBaseDados.jsp |
Astronomia e sensoriamento remoto |
||
INPE – Catálogo de Imagens (CBERS, Amazonia-1) |
Download gratuito de imagens de satélite. |
https://www.dgi.inpe.br/catalogo/explore |
Observatório Nacional – Dados Abertos |
Informações em astronomia, geofísica e tempo/frequência. |
https://www.gov.br/observatorio/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos |
LNA – Plano de Dados Abertos |
Diretrizes e inventário de dados da astrofísica brasileira (OPD/soar/gemini). |
https://www.gov.br/lna/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/pda-lna-2024-2026-versao-outubro-2024.pdf |
Repositórios generalistas |
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Arca - Repositório Institucional da Fiocruz |
Hospeda, disponibiliza e dá visibilidade à produção intelectual da Instituição. |
https://arca.fiocruz.br/ |
SciELO Data (Dataverse) |
Repositório para dados associados a artigos de periódicos SciELO |
https://data.scielo.org/ |
Portal brasileiro de dados abertos |
Catálogo unificado de dados federais/estaduais/municipais. |
https://dados.gov.br/ |
Deposita Dados (Ibict/Dataverse) |
Repositório comum para pesquisadores brasileiros sem repositório institucional. |
https://depositadados.ibict.br/ |
Kaggle DatasetsP |
Portal popular para compartilhamento e descoberta de dados para ciência de dados. |
https://www.kaggle.com/datasets |
Zenodo |
Repositório generalista internacional amplamente utilizado no Brasil. |
https://zenodo.org/ |
Figshare |
Infraestrutura de repositórios de pesquisa abertos. |
https://figshare.com/ |
DryadP |
Plataforma internacional de publicação de dados abertos. |
https://datadryad.org/ |
Integração com o OJS
Há disponível no OJS um plugin que permite a integração do sistema com repositórios de dados baseados na plataforma Dataverse, como o SciELO Data. Por meio do Dataverse Plugin, os autores conseguem depositar os dados do estudo durante a submissão e vinculá-los ao manuscrito. Os arquivos ficam disponíveis no fluxo editorial (inclusive para verificação na revisão por pares) e são associados à publicação final.
A instalação é feita pela Galeria de Plugins e a configuração exige informar a URL do Dataverse, um API token e os Termos de Uso. Recomenda-se criar um usuário dedicado da revista para que os depósitos apareçam como contribuições institucionais. No fluxo do OJS, surge um diálogo “Research Data” na etapa de Arquivos da submissão; autores, moderadores e editores podem editar o dataset antes da publicação e revisores podem ter acesso controlado aos arquivos conforme as regras do periódico. Na prática, isso viabiliza políticas de dados que exigem depósito, citação com DOI e verificação editorial, sem sair do OJS.
O Dataverse Plugin é compatível com OJS/OPS 3.3 e 3.4 e com Dataverse 5.x e 6.x, o que facilita adoção em instâncias atuais do sistema.
Conclusão
Política de dados não é um documento para “inglês ver”. Ela protege a integridade da ciência que você publica, fortalece a confiança do leitor e dá previsibilidade ao autor. Comece pequeno, comunique bem, integre ao sistema editorial e evolua por níveis. O melhor dia para começar foi ontem; o segundo melhor é na próxima atualização das Instruções aos Autores.
Referências
- Castro, J. A. (2021). Toolkit de políticas de dados para editoras e revistas científicas (Versão 0.1, draft). Pub In. https://www.pubin.pt/wp-content/uploads/2021/11/TOOLKIT-DE-POLI%CC%81TICAS-DE-DADOS-PARA-EDITORAS-E-REVISTAS-CIENTI%CC%81FICAS-DRAFT.pdf (atualizado em 24 de novembro de 2021).
- Lepidus Tecnologia. lepidus/dataversePlugin. 26 de abril de 2021, PHP. 11 de setembro de 2025. GitHub, https://github.com/lepidus/dataversePlugin
- “ChatGPT”. Coleta de dados sobre repositórios por área de conhecimento, https://chatgpt.com/?locale=pt-BR. Acesso em 11 de setembro de 2025.
Texto produzido com auxílio de inteligência artificial. Nossa newsletter agora está no Substack e você pode se inscrever gratuitamente para recebê-la diretamente em seu email, ler no app e acessar todo o conteúdo do ecossistema Peletron!Assine nossa newsletter