PeletronTech #2: 22 de agosto de 2025

Ouvir ao PeletronTech. Ouvir no Substack. Olá! Esta é a newsletter do PeletronTech, o seu boletim de publicação científica e tecnologia. A edição de hoje traz quatro matérias publicadas no blog...

Tempo de leitura: 2 - 3 minutos

Ontem publicamos aqui no blog um post baseado na matéria do Scholarly Kitchen¹ que radiografou o mercado de e-books acadêmicos e os modelos de negócios que hoje sustentam as monografias digitais. O texto apresentou informações valiosas sobre o que está funcionando, o que precisa evoluir e como bibliotecas e editoras podem alinhar missão e sustentabilidade. Neste post vamos explorar alguns conceitos citados — EBA, DDA, Flip to Open e Read-and-Publish — para explicar como funcionam esses modelos e como são operados no dia a dia das coleções digitais.

Panorama: decisões técnicas que viram política de acervo

A discussão foi apresentada pelo relatório da Ithaka S+R²: bibliotecas continuam dividindo investimentos entre impresso e digital, editoras testam arranjos de pacotes e assinaturas, e modelos híbridos pipocam para acomodar restrições orçamentárias sem sacrificar alcance. O problema se agrava porque os orçamentos permanecem estagnados enquanto custos sobem, há sobreposição de títulos entre plataformas e a heterogeneidade contratual — simultaneidade de acessos, DRM, cláusulas de preservação e de acesso perpétuo — torna a comparação quase impraticável. Mudanças unilaterais de fornecedores e reconfigurações de catálogos criam risco de dependência e tornam as linhas de gasto, antes consideradas estáveis, imprevisíveis.

Do lado operacional, equipes enxutas precisam conciliar gestão de metadados, integração com ambientes virtuais de aprendizagem, relatórios de uso pouco padronizados e métricas que, muitas vezes, não se traduzem em valor curricular. Ao mesmo tempo, mandatos de acesso aberto pressionam por acordos transformativos nos periódicos, enquanto monografias seguem sem uma solução universalmente sustentável. Some-se a isso a adoção acelerada de ferramentas de IA que alteram padrões de descoberta e consumo, deslocando a demanda de forma súbita entre áreas e formatos.

Em vez de uma resposta única, o cenário exige vocabulário técnico e decisões informadas por evidências: escolher entre EBA e DDA, aderir a “flip to open” ou firmar um read-and-publish deixa de ser detalhe operacional e vira instrumento de política pública dentro do campus. Entender cada sigla não é jargão por si só; é poder de negociação, governança de gastos e política de acesso.

EBA: acesso amplo, decisão orientada por dados

Evidence-Based Acquisition, o EBA, começa pelo acesso amplo e decide a “estante perpétua” depois. A biblioteca aporta um valor fixo, abre um catálogo extenso por um período definido e, ao final, escolhe — com base em dados de uso real — quais títulos permanecem para sempre no acervo, até esgotar o crédito. O diferencial do EBA está na previsibilidade e na inteligência de seleção: dá para testar aderência curricular e pesquisa antes de amarrar verba de longo prazo. O segredo é tratar o ciclo como um experimento controlado: definir métricas-chave de sucesso, combinar indícios quantitativos (leituras, tempo de sessão) com qualitativos (relevância para cursos-chave) e garantir que as cópias escolhidas tragam cláusulas claras de preservação. Em cenários com currículos estáveis e grande dispersão temática, o EBA tende a produzir coleções mais robustas e menos sujeitas a modismos.

DDA: aquisição just-in-time com governança

Demand-Driven Acquisition, o DDA, vira a chave para o “just-in-time”: nada é comprado no início. Registros entram no catálogo e o uso do leitor dispara gatilhos — ler além de um limite, baixar capítulos, imprimir trechos — que resultam em empréstimos de curto prazo ou compra automática. É o modelo ideal quando a demanda é imprevisível e a bibliografia muda com frequência, como em áreas de fronteira ou programas interdisciplinares. Mas ele cobra governança: calibrar gatilhos, definir tetos mensais, vigiar empréstimos que se acumulam sem conversão e educar docentes para evitar ativações acidentais. Sem esses controles, um pico de leituras em semana de prova vira fatura inesperada.

Flip to Open: da venda inicial à abertura pública

Flip to Open resolve outro problema: como abrir monografias sem transferir a conta para autores via BPC? A lógica é financiar a abertura por meio do próprio comportamento de compra das bibliotecas. O livro nasce fechado; se as vendas iniciais alcançam a meta predefinida pela editora — normalmente em uma janela curta —, a versão digital “vira” aberta para todo mundo, enquanto o impresso e eventuais serviços permanecem comercializáveis. É um mecanismo que concilia missão e sustentabilidade: bibliotecas mantêm seus hábitos de aquisição, mas passam a patrocinar aberturas que beneficiam o ecossistema como um todo. Transparência é a palavra-chave: metas realistas, relatórios de progresso e calendários públicos reduzem o risco de “meio do caminho”, em que o título nem vira aberto nem performa comercialmente.

Read-and-Publish: transformativo — e com resultados mensuráveis

Read-and-Publish (R&P) opera majoritariamente no mundo dos periódicos, mas é peça essencial para entender os resultados concretos que acordos transformativos podem trazer para instituições e autores. Em um único contrato, a biblioteca combina o direito de ler com a cobertura das taxas de publicação em acesso aberto para autores afiliados, dentro de critérios de elegibilidade. O impacto é imediato no lado do pesquisador — publicar OA sem custo direto — e estratégico no lado institucional — migrar gradualmente o gasto da assinatura para a publicação, com previsibilidade.

Alternativa Read-and-Publish vale a pena? Caso da University of Alabama at Birmingham

Para dar materialidade a esse conceito, vale um exemplo real: um painel de métricas dos acordos de Read-and-Publish adotado pelas bibliotecas da University of Alabama at Birmingham mostra que autores da universidade economizaram mais de US$ 1,6 milhão em APCs desde 2021¹, graças a este tipo de acordo. O painel exibe gráficos com visualizações por editora (quais contratos entregam mais retorno), por escola/faculdade (quais áreas mais publicam em OA via os acordos) e por cargo/posição (quem se beneficia na prática, do pós-graduando ao professor titular). Isso ilustra como contratos bem estruturados se traduzem em alívio financeiro para pesquisadores e em políticas de acesso aberto efetivamente implementadas.

Gráfico de Economia Total (Fonte: UAB Libraries)
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Estratégia combinada: o melhor de cada modelo

Trazer esses modelos para a prática exige desenhar uma estratégia combinada. Uma biblioteca de médio porte pode usar EBA para explorar, com segurança orçamentária, o catálogo de editoras centrais nas suas áreas, formando um “núcleo perpétuo” ancorado em evidências. Em paralelo, o DDA cobre lacunas e demandas emergentes, desde que os gatilhos sejam conservadores e monitorados semanalmente. Se a instituição tem missão explícita de apoiar a abertura de monografias — especialmente em humanidades e ciências sociais, onde o retorno comercial é mais lento —, programas de Flip to Open adicionam uma camada de impacto coletivo sem repassar custos aos autores. E, no plano dos artigos, um acordo R&P alinha a produção científica da casa a mandatos de acesso aberto, corta barreiras para o pesquisador correspondente e cria indicadores tangíveis para renegociações anuais.

Também é importante reconhecer os atritos que apareceram no radar do relatório da Ithaka S+R: a heterogeneidade contratual, a carência de especialistas em licenças e as mudanças de rumo de fornecedores pressionam equipes a voltar ao impresso em alguns contextos. Isso reforça o valor de consórcios e de padrões mínimos de licenciamento, além de cláusulas de preservação e de acesso perpétuo quando a compra definitiva fizer sentido. Em um cenário vivo, com modelos que se sobrepõem — pacotes multianuais, híbridos impresso-digital, flip-to-open, acordos transformativos —, a curadoria deixou de ser um exercício apenas bibliográfico e passou a ser também regulatório e financeiro.

O ponto comum a todos os modelos é o compromisso com impacto e previsibilidade. Não há bala de prata: cada campus combina EBA e DDA de acordo com sua volatilidade de demanda, adiciona Flip to Open quando quer financiar abertura de monografias sem cobrar autores, e firma R&P para remover barreiras na publicação de artigos. O que separa resultados medianos de resultados transformadores é a governança: critérios explícitos, métricas transparentes, revisão periódica e coragem para realocar recursos na direção do que demonstra mais valor acadêmico e social. Ao traduzir siglas em decisões, bibliotecas e editoras deixam de reagir à turbulência do mercado e passam a pilotá-la em favor da ciência aberta e da sustentabilidade.


Referências

  1. Bergstrom, Tracy. “Guest Post - What Is the Current State of Academic e-Book Business Models?” The Scholarly Kitchen, 14 de agosto de 2025, https://scholarlykitchen.sspnet.org/2025/08/14/guest-post-what-is-the-current-state-of-academic-e-book-business-models/. Acesso em 19 de agosto de 2025.
  2. Bergstrom, Tracy, e Makala Skinner. The Current State of Academic E-Book Business Models: Access Strategies and Budgeting Realities. Ithaka S+R, 13 de agosto de 2025. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.18665/sr.323373. Acesso em 19 de agosto de 2025.
  3. “Ebook Acquisition Models”. About JSTOR, https://about.jstor.org/librarians/books/acquisition-models/. Acesso em 19 de agosto de 2025.
  4. “Working with Evidence Based Acquisition (EBA)”. Ex Libris Knowledge Center, 24 de agosto de 2021, https://knowledge.exlibrisgroup.com/Rialto/Product_Documentation/040Rialto_Administrator_Guide/Working_with_Evidence_Based_Acquisition_(EBA). Acesso em 19 de agosto de 2025.
  5. UAB Libraries’ Read & Publish Agreements Statistics (2023 - ). https://uab.libinsight.com/RandPstats. Acesso em 19 de agosto de 2025.
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